quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Despejo no Capão Redondo




Uma mistura de sentimentos me vieram nesta última segunda-feira vendo as cenas de guerra civil em um ação de despejo em um bairro pobre de São Paulo, o Capão Redondo.
Com certeza fruto de erros, lá no topo da pirâmide, seja do governo, seja da empresa dona do terreno. O negócio é o povo sempre acaba pagando o pato, ou como diz meu parceiro de blog Carlos Ferreira, nem pra pagar o pato o povo tem dinheiro.

Como este blog não tem o propósito de denúncias ou protestos, vamos fazê-lo em forma de música ou poesia.


Abaixo um samba de Adoniran Barbosa, que em plena decada de 80, já denunciava tal situação, mais de 20 nos depois, nada mudou.

Mais abaixo ainda, uma letra de minha autoria, também com a intenção de retratar e registrar tal acontecimento.

Despejo na Favela (Adoniran Barbosa)

Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E contra o seu desejo
Entregou pra seu Narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
Assinada "Seu Doutor"
Assim dizia a petição:
"Dentro de dez dias quero a favela vazia
E os barracos todos no chão"
É uma ordem superior
ô, ô, ô, ô, meu senhor
É uma ordem superior
Não tem nada não, seu doutor
Não tem nada não
Amanhã mesmo vou deixar meu barracão
Não tem nada não
Vou sair daqui
Pra não ouvir o ronco do trator
Pra mim não tem problema
Em qualquer canto eu me arrume
De qualquer jeito eu me ajeito
Depois, o que eu tenho é tão pouco
Minha mudança é tão pequena
Que cabe no bolso de trás
Mas essa gente aí
Como é que faz?
ô, ô, ô, ô, meu senhor
Essa gente aí
Como é que faz?


Triste manhã (Tiago Trindade)

Triste manhã,
No meu barraco tudo é tristeza
Ao despertar ouvi o ronco do trator,
Causando tamanha dor, lá se foi minha riqueza

A lei do homem quase sempre não entende
Como é que esse povo inocente se defende?
Da construção de palacetes triunfais
Que com o tempo não se ouve mais
O grito aflito da favela

Nem todo ouro, toda prata e rubi
É capaz de me excluir, desta que é minha verdade
O que essa gente precisa refletir
É que a favela está aqui sem causar mal a cidade

E quem quiser provar que venha aqui
Só não derrube meu barraco
Que é minha felicidade



Salve a Favela!!
Tiago Trindade

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

E agora José?


Amigos, hoje posto este poema fantástico do grande Carlos Drummond de Andrade.
Quem nunca sentiu-se como um "José"?

E agora José?

A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?

E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde ?