Hoje posto o texto de um amigo de samba e arquibancada, o grande Francisco de Barros Crozera ou simplesmente Chico.O texto fala sobre a origem dos movimentos sociais, com uma ênfase maior no samba e no funk. Valeu Chico!
Conversando dois amigos sobre cultura chegamos a mesma conclusão: que os movimentos culturais que conhecemos, pelo menos no que diz respeito a música, têm origem popular. Mais do que isso, em sua maioria nasceram entre os negros escravizados pelas as Américas. Haja vista, o samba, o forró, o baião, o coco, a embolada, o calango, o afoxé, o moçambique, as congadas, a marujada, o maracatu entre outros (só para ficar com os exemplos brasileiros, pois poderia me referir ao jazz, ao blues e ao rock, ao rap entre os norte americanos). São manifestações culturais que mesmo na sua simplicidade, não deixam de ser pulsantes, ricas simbolicamente, e esteticamente belas. Mas, atualmente, não sei se por algum preconceito meu, tenho dificuldade de enxergar essa mesma beleza em movimentos musicais populares como o funk, que não me agradam nem melodicamente, e nem poeticamente (as letras que me parecem muito apelativas).
Outro dia, ouvi umas vozes, que vinham da rua, cantarolando. Sai na varanda do prédio em que trabalho, na Praça Clovis Beviláqua, e avistei uma molecada de bobeira em plena terça-feira à tarde numa roda cantando e dançando um funk improvisado na voz e na palma da mão, por vezes batendo no peito para marcar com som mais grave. Essa cena me fez questionar a visão negativa que tenho desse ritmo originado nos morros cariocas por volta dos anos 90 e que vem ganhando espaço entre os jovens da periferia paulistana.
Por certo aqueles meninos, que ficam ali na região central, vistos com receio por parte da sociedade, reprimidos pela polícia, estigmatizados como marginais, estavam se manifestando culturalmente de forma semelhante aos sambistas paulistanos antigos, que faziam as batucadas com lata de graxa na praça da Sé. Esses sambistas, que muito admiro, e eram perseguidos pela polícia, chamados de vagabundos pelos moralistas, foram legítimos representantes da vanguarda cultural que nasce das camadas mais pobres da sociedade. Pergunto então, será que eu não tenho a sensibilidade para compreender o funk, ou se o que se produz hoje em termos populares não tem nada haver com a cultura de origem popular mais antiga?
Olha, esse assunto da pano pra manga, mas vou tentar resumir meu ponto de vista comparando o funk com o samba, que conheço um pouco mais do que outras culturas populares. Para mim, o Funk não partilha de alguns valores fundamentais do Samba. Como diz um amigo meu, a roda de samba tem preceito e fundamento. Existem elementos na roda que remetem a africanidade, desde a oralidade até o respeito aos mais velhos que transmitem a sua sabedoria. Quem é novo e pretende entrar numa roda, deve primeiro observá-la de fora, aprender e aos poucos ser reconhecido pelo grupo ganhando seu espaço. Além disso, o própria disposição das pessoas em forma de roda, tem grande significado. Numa roda todos se olham, todos se escutam, é um momento de partilha, onde o coletivo predomina sobre o individual. Admito que hoje em dia, essas rodas são cada vez mais raras, mas sem elas não existiria o Samba.
Não conheço muito o Funk, por isso devo ser corrigido por quem conhece. Mas até então o que eu via era uma estética muito mais parecida com o pop-rock, ou com a música eletrônica: palco, microfone e as caixas de som numa altura ensurdecedora (quando tem baile funk, o morro inteiro ouve, queira ou não). Também não há o mesmo tipo de partilha de uma roda, a relação é outra; é palco e platéia, típicas características de uma cultura de massa, onde um indivíduo, com status de celebridade comanda a platéia. Sei que temos shows de samba em palcos, mas nunca havia ouvido falar em roda de funk, até a última terça quando presenciei a cena na Praça Clóvis.
Fico com a pulga atrás da orelha... mas mesmo sendo ridículo tentar comparar o samba em termos de melhor ou pior em relação ao funk, particularmente, eu acho o samba muito mais interessante.
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